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  • Foto do escritorKelly Demo Christ

Yonlu: desvanecer de um universo

Filme gaúcho de Hique Montanari faz uma homenagem poética ao jovem artista Yonlu, ao mesmo tempo que discute de forma sensível temáticas densas, como depressão e suicídio.

 


"agora, meu suicídio é iluminado pelo pôr do sol é muito triste se você me perguntar eu não acho que estarei por perto para ver seu rosto novamente"

— "Suicide Song", Yoñlu. 2006.


Na manhã deste sábado (15 de setembro de 2019) o Clube de Cinema de Porto Alegre promoveu na Cinemateca Paulo Amorim uma exibição do filme “Yonlu”, com a presença do diretor Hique Montanari, e as diretoras de arte Iara Noemi e Gilka Vargas.


A breve trajetória do músico, escritor, desenhista, fotógrafo, Yoñlu, nome artístico de Vinícius Gageiro Marques, é marcada por dualidades. Yoñlu cometeu suicídio em 2006, aos 16 anos, um dos primeiros casos transmitidos na internet no Brasil.


A exposição da própria morte feita por um rapaz que grande parte do tempo era introspectivo indica um contraste, explorado de diversas maneiras no longa-metragem.


Assim como as músicas de Yoñlu são marcadas pela confluência de gêneros, o filme consegue convergir a diversidade de formatos e estilos. Temos live-action e os desenhos de Yoñlu criando vida através de animações. Momentos que beiram o documental, outros de vídeo-arte. Um tom cru, diálogos realistas, a entrevista do psicólogo a jornalista, e cenas extremamente surreais e poéticas, como o andar do astronauta. O filme se encaixa como drama, mas é movido pelas composições do artista, acompanhando a narrativa de forma intrínseca, tal qual um musical.




Todo contraste foi visivelmente medido pelos realizadores, evidenciam a mudança de tom de forma não linear. Temos um Yoñlu criativo, que se tranca no quarto sozinho para compor, que caminha por Porto Alegre e observa o mundo ao seu redor. Faz piada e a turma ri, conversa com a garota por quem é apaixonado até de madrugada na internet. Parece despreocupado, e ao mesmo tempo imerso em melancolia. Parece ter uma vida inteira pela frente, estar aflorando todo seu potencial artístico, contudo ele perece.


Ainda assim é importante frisar que o filme cuida para não transformar Vinicius/Yoñlu em um herói. É admirável, sua obra é complexa para a pouca idade, mas ainda assim um adolescente, em todas as crises da idade, um certo narcisismo, preocupação exacerbada com o olhar do outro, e até com a aparência, a pele, as espinhas.


O quarto que pode parecer pequeno, é vasto em revelar o mundo do personagem, que é lúcido, e também lúdico. O mesmo Vinícius que cria músicas cruas falando sobre a sua depressão, como Suicide Song, compõe uma fábula metafórica em The Boy and The Tiger.


Aqui cabe também um elogio à direção de arte, que foi capaz de fazer aquele espaço refletir este mundo de criatividade efervescente, confusão mental, fazer com que o personagem possa ser lido como singular, e também um adolescente como qualquer outro, com quem facilmente nos identificamos.



As cores vibrantes, com destaque ao verde celofane, explodem na tela nos momentos em que o protagonista se comunica em um fórum de suicidas. Ali são dadas sugestões e aconselhamentos de como proceder. Denuncia a internet como uma ferramenta capaz de reunir, e permitir anonimato e impunidade, a então criminosos, que deram suporte a morte de Vinicius. Ao mesmo tempo eles são humanizados, pois também revelam sua própria fragilidade, abaixam suas máscaras e mostram seus rostos, possuem desconforto perante o mundo. Momentos antes do suicídio alguns deles parecem — ainda que de uma forma perturbadora — desestimular o protagonista, por considerar que ele não pensou direito naquilo. Gera aflição saber que o roteiro incorporou as mensagens reais trocadas no fórum, e que esse tipo de espaço exista de fato na internet.



A solidão do personagem é sempre presente na narrativa, quase nunca Yoñlu está com alguém. Os cenários vazios pelos quais transita criam uma atmosfera de dor. Nas cenas verdes, nos contatos eletrônicos, Yoñlu encontra uma companhia com quem interage mais do que com qualquer outro.


Aí se nota uma discussão que é densa. Yoñlu deixa uma carta para os pais, e também uma vasta obra reconhecida postumamente, no Brasil e exterior. A obra de Yoñlu, assim como o filme que a apresenta e reflete, coloca as crises existenciais da adolescência como passageiras, embora nem todos as consigam suportar.


O psicanalista afirma que Vinicius não teria cometido suicídio se não tivesse sido estimulado pelo fórum em questão. Contudo, é dito por ele em sua carta de despedida que não haveria nada que os pais pudessem ter feito para que fosse diferente. A maneira como articula o suicídio deixa explícito o desespero do personagem, e também sua impassível decisão.


Vinicius teria ligado para o psicólogo em outro momento, onde estava na cobertura do prédio pensando em se jogar, e queria motivos para fazê-lo e para voltar atrás. Nesta ocasião foi abraçado a não prosseguir, pela internet foi empurrado.


O filme de Montanari é precioso para fomentar discussões a respeito de um assunto que permanece no nível do tabu. O diretor comentou, no bate-papo posterior ao filme, sobre o retorno positivo que está tendo em relação ao público, relatando sobre sessões feitas para professores, onde se discutiu a repercussão da internet e o suicídio, o jogo da “Baleia Azul”, e a proliferação de chats e fóruns nas redes sociais com o intuito de estimular jovens a se mutilarem.


Setembro, mês em que Vinicius nasceu e também mês de prevenção ao suicídio, propiciou a estreia de um filme que consegue se comunicar com os jovens, e ao mesmo tempo possui um grau de refinamento estético capaz de agradar qualquer faixa etária.


O filme é um paradoxo de impacto, pelo qual torcemos pela visibilidade, através da qual se possa discutir cada vez mais o que podemos fazer uns pelos outros, possibilitando que haja alguma maneira de sobreviver à melancolia provocada pelo mundo.



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